Letras Vermelhas
A Questão da Caridade
Nas duas primeiras postagens - sobre a construção de Belo Monte e a questão da escola adestradora - eu escrevi sobre temas que eu já possuo uma opinião formada - não fechada. Desta vez, resolvi escrever sobre a Caridade, com o intuito de FORMAR MINHA OPINIÃO, tornando assim, você, participante deste texto. Serão nossos comentários e nossas discussões a criar um texto contínuo.
A necessidade existe, pessoas morrem de frio no inverno, de fome nas secas de doenças nas portas dos hospitais... E a melhor maneira de evitar que isto aconteça é construir uma sociedade igualitária. Viver da ajuda mútua. A caridade é coisa passageira. Como exemplo de sua efemeridade segue um texto de Érico Veríssimo:
"Abre a bolsa e tira dela uma nota de vinte mil-réis. Um pensamento lhe assalta a mente: se os repórteres dos jornais entrassem de repente com fotógrafos...
D. Dodó não gosta de ferir suscetibilidades: entregar o dinheiro na mão da outra, não fica bem. A criatura pode se ofender... Aproxima-se da mesa e com toda delicadeza depõe sobre ela a cédula em que está estampada a imagem dum político que já tomou chá no seu palacete.
Que linda cena para um instantâneo! Tão bonita na sua simplicidade comovente...
"A caridosa dama no momento em que modestamente depunha sobre a mesa a nota de vinte mil-réis que iria mitigar por alguns momentos do sofrimento daquele casal desprotegido da sorte."
Monsenhor Gross havia de gostar tanto, lendo o jornal na manhã seguinte... Que pena os repórteres não saberem... Mas não! Sai Satanás! A verdadeira caridade deve ser feita às escondidas, com modéstia. "Que a tua mão esquerda não saiba o que a direita faz."
A mulher do doente continua parada. Aquilo não significa nada para ela. Ela sabe que quando a senhora perfumada for embora no seu automóvel de luxo, a vida da casa há de continuar como sempre: sujeira, miséria e doença. Ela há de ouvir todas as horas, todos os dias a tosse rouca do marido, há de sentir um cheiro enjoado de remédio, há de ver os filhos atirados por aí, como porquinhos de quintal pobre. Os vinte mil-réis da senhora caridosa serão consumidos em poucos dias na farmácia. É o mesmo que nada. Por tudo isso não chega a ficar contente, nem mesmo consegue sentir gratidão."
(Veríssimo, Érico. Caminhos Cruzados. 26 Edição. Porto Alegre. Editora Globo, 1982. págs 50-51)
Por outro lado, enquanto lutamos pela construção de uma sociedade igualitária - seremos quantos em meio aos 7 bilhões? - sofrem aqueles que não podem esperar. O que fazer? Virar o rosto perante a mão magra que se estende? Sinceramente, muitas vezes não sei o que fazer. As vezes acalmamos nossa consciência - totalmente influenciada pela moral Cristã - dizendo a nós mesmos, ou àquele que estava a nosso lado no momento: Ele ia comprar pinga. Mas, mesmo que o marginal - aquele que vive à margem - tenha escolhido viver de maneira alternativa, ele deve pagar sua escolha com a própria morte?
Como devemos encarar a caridade?
Eu acho que a caridade pode não ajudar em nada. mas e a falta dela, ajuda em quê?
ResponderExcluirAcho que nos prendemos muito a motivos e razões e pouca aos atos: uma pessoa deve ser julgada pelo seu discurso (no caso, a moral cristã que prega a caridade) ou pelo seu ato (ainda neste caso, dividir - ainda que de maneira insignificante - sua fartura com o próximo)?
Vale, também, lembrar que a questão de classe pode estar perene: de quem vem a caridade: do rico que, através da caridade, almeja alcançar o sono dos justos ou do pobre que, por conhecer a penosa realidade do outro, tem sua solidariedade despertada?
Essa questão realmente me pegou, e pegando um gancho na discussão, quem já assistiu Estamira (do vídeo) e mais outros docs sobre o tema "Lixão" (eu vi um mas esqueci o nome, logo mais postarei aqui) sabe que muitas pessoas não saem por nada de lá (lixão). Aqui em Limeira tem um mendigo que não aceita grana de ninguém, ele diz que não vai comprar comida se os sacos de lixo estão repletos de comida. E quando alguém joga comida no lixo? Essa questão tbm me pega. Não jogar a comida pra evitar o desperdício ou jogar sabendo que muitas pessoas (e animais tbm, o lixão daqui de Limeira é cheio deles) se alimentam destas comidas.
ResponderExcluirEu também não possuo uma opinião formada sobre isso. Afinal, dar trocados pode incentivar a pessoa à se afundar mais ainda em seus vicios, dar um prato de comida pode fazer com que a pessoa continue acreditando que, mesmo nas péssimas condições de vida que a pessoa está, (geralmente morando na rua, repousando em jornais e coisas do tipo), ela irá sobreviver.
ResponderExcluirIsso no mínino nos faz pensar... Sobreviver apenas é suficiente? Essa pessoa acreditar nisso é, ao mesmo tempo, fazer com que ela se torne absurdamente dependente de outra... Mas negar um prato de comida ao mesmo tempo é negar a alguém um pré-requisito básico de luta pela vida: a nutrição...
nossa, acho que isso não é nem um debate, é uma discussão pra vida inteira!
ResponderExcluirainda mais pros assistentes sociais/estudantes do ss, rs
acho que a mesma discussão da caridade entra na discussão da assistencia.
a diferença é que a assistencia é direito (o q nao vale mto pois normalmente é vista como caridade mesmo, como um presentinho do estado, tao bonzinho), mas não deixa de ser uma medida paliativa, na forma como é efetivada (fragmentada e individual).
tanto a caridade, quanto a assistencia, a meu ver, sao necessários, justamente pela questão q vc colocou de "é isso ou vao morrer d fome - todo tipo de fome-".
o problema é q sozinhas não fazem nada, não mexem com a raiz do problema, com as estruturas.
e a caridade tem o agravante dos interesses, quando alguém faz caridade sempre quer um reconhecimento, mesmo que o seu próprio.
o que não vejo como de todo mal, quando é o seu próprio reconhecimento que esperam, afinal temos que nos valer de nossas cobranças e idealizações de vida para sermos coerentes com o que almejamos e acreditamos.
(se o seu post ficou confuso, imagine esse meu comentário, rs)
enfim, não vejo problema em alguem querer ajudar alguem, acho que a solidariedade faz parte da natureza humana (nao corrompida), assim como o amor (há controvérsias) e o reconhecimento da categoria humana como sociedade e espécie, que leva a uma cooperação mútua (diferente da caridade, mas que pode se converter nela nas condições de sobrevivência e sociabilidade atuais).
só acho que isso, de fato, não resolve problema algum, nem individual, mto menos coletivo.
aaa, e estamira é genial!!
ResponderExcluirNão tem mais inocente... Tem esperto ao contrário.
A Terra falava, agora ela tá morta. A morte é dona de tudo