segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ser educador e libertário - Federation Anarchiste Française


A educação é a garantia de reprodução dos valores, das normas, das formas de relação entre humanos. Ela é, a bem dizer, a corrente de transmissão de nossas sociedades que funcionam sob um sistema hierárquico e por isso mesmo, autoritárias.

Dessa forma, nas instituições de ensino e formação, ela tem uma finalidade adaptativa, preparando os indivíduos à aceitar o contexto societal e mesmo a reforçar as bases pelo processo de interiorização de princípios que regem a ordem social. Dessa maneira, os indivíduos desejam contribuir para perpetuar esse sistema e suas práticas. A socialização opera então pela via da educação. A expressão “Ordem pelo poder” é bem aceita e se tornou mesmo uma doxa. Dessa forma, nós somos preparados para entra na fila pelo o nosso próprio bem – digamos: para nos integrar.
 
A reprodução social, pela via institucionais, foi largamente demonstrada por numerosos trabalhos em sociologia da educação realizados – entre outros – por Bourdieu e Passeron, e Baudelot e Establet ¹. As pesquisas nessa área destacam principalmente a segregação social, a reprodução das desigualdades no que diz respeito ao acesso ao saber.
Os anarquistas mesmo sempre criticaram - verdadeiramente condenaram - esses dispositivos acadêmicos, conscientes de seus efeitos de formatação. Para nós a educação visa a “se formar” mais que “ser formado”; encaramos a educaçã como a aquisação de saberes que seriam as armas intelectuais para a emancipação. Incitar à reflexão, à análise, é sustentar o pensamento e suscitar o desejo de agir para transformar a sociedade em outra que não aquela onde a pessoa é dominada e explorada.

Nós sabemos que uma outra educação é possível, uma educação contributiva, em oposição ao obscurecimento das evidências, a análise das relações de poder, e mesmo a compreensão de nossa própria situação na sociedade. Como enunciado por Fernand Pelloutier, ela pode destrinchar “a ciência de nosso próprio infortúnio”.

Essa “ciência” suscita interrogações relativas à “vislumbrar”, a conjuntamente construir outros cenários possíveis para uma sociedade diferente. Ela pode permitir aos indivíduos se construir, com a vontade de não ser mais simples expectadores ou de serem reduzidos ao estado de meros executantes. Nesse sentido, a educação pode ser vetor das transformações sociais, de evolução social, verdadeiramente de revolução social.

A educação fundada sob um estado de espírito libertário, através de diferentes declinações pedagógicas, pelos seus princípios mesmos e suas práticas, responde a uma ambição que deveria ser aquela de toda educação: favorecer a autonomia.

Claro, ela aspira o desenvolvimento do anarquismo por intermédio de indivíduos capazes de analisar a ordem estabelecida e de propor um outro modo de vida conjunta, sem relações de dominação, fundada sob igualdade e ajúda-mútua. Por outro lado, isso não se preocupa em “fazer” os indivíduos afim que eles se tornem anarquistas, já que isso é totalmente contrário ao objetivo de independência. A finalidade é que os indivíduos se erijam como seres tendentes à liberdade de pensar e de ação.

Para um educador – libertário -, o saber é sobretudo pensado como emancipador. Ele é fator de conscientização. Pelo saber, nós compreendemos melhor nosso desenvolvimento econômico, social o contexto político, os assuntos internacionais... O saber é uma arma de defesa e de ofensiva. Então, para um libertário educador, exercer nas instituições convencionais pode parecer contraditório aos seus ideaiss. Bem evidendentemente, a posição não é confortável, e nós somos atravessados por dúvidas, por maus-estares. A maior parte dos assalariados libertários não conhecem além, eles também, esse dilema: pôr em questionamento toda a sociedade e ao mesmo tempo estar incluso e participante?
 
Nós desenvolvemos práticas educativas em ruptura com aquela que é a mais corrente: A PALESTRA, colocando o estudante numa posição subordinada de receptor e não de atuante. E nisso até as pedagogias ditas ativas ensaiaram alguma evolução.

Agora, para nosso posicionamento, nós tentamos situar o aprendiz como sujeito, guardando dentro de nós toda atitude de superior. Dessa forma, é possível favorecer a consciência, o interesse, a curiosidade pela responsabilização, a participação, o trabalho cooperativo, a pesquisa. Nós poderemos emprestar uma abordagem libertária: favorecer a concepção, a construção da pedagogia com ou pelos aprendizes mesmos. Nós podemos mesmo alargar, a sua iniciativa, os conteúdos incontornáveis e/ou obrigatórios.

Nossa relação com os aprendizes foi fundada sobre a troca, sobre um verdadeiro diálogo coletivo e individual. Nós procuramos ser mais “facilitadores” que “transmissores”. Mas trasmitir os conhecimentos se faz indispensável para dar aos aprendizes as bases, os esclarececimentos, os pontos de início. Mas isso não implica que eles sejam passivos. Pôr-se à escuta é também agir, mobilizar suas capacidades intelectuais. À nós, encorajar os questionamentos, a tomada de voz, de posição.

Nós nos inscrevemos na filiação das pedagogias qualificadas de libertárias, portadoras de um humanismo anarquista que lhas são intrínsecas, implicadoras de uma concepção de educação pela liberdade, recusando que o saber seja um poder e visando a despertar a vontade de se engajar na sociedade (entre muitas formas, também pela ajuda-mútua) Todas essas pedagogias põem à frente uma educação integral, tanto intelectual e também manual, permissiva de produzir de maneira autônoma. Todas propõem a aprendizagem pela experiência, o tateamento, as tentativas e erros.

Todo educador deveria se perguntar como favorecer a autonomia simultaneamente possibilitando um ambiente para a apropriação dos conhecimentos, pela experimentação. O libertário se encontra, mais que todos outros, confrontado com isso que pode parecer contraditório: a associação dos termos “educação” e “liberdade”, com a consciência de que educar supõe uma ligação com seu projeto educativo.

Em outro, a não-diretividade, strictu sensu, promovida por certos pedagogos para favorecer a “conquista da liberdade”, foi questionada. Não se agita em se inscrever num “laisser-faire” que pode ser inseguro, verdadeiramente assustador. 
 As crianças, os adolescentes precisam se confrontar com os “limites” para aprender a viver com os outrém, para suportar a frustração, poder diferenciar seus desejos, suas necessidades, poder se projetar. Dessa forma, o anti-autoritarismo não se confune com a abstenção da autoridade necessária às crianças para uma aprendizagem progressiva do uso da liberdade.
Mais, a aquisição dos conhecimentos, dos métodos de trabalho, a reflexão, análise, não são possíveis sem certas condições: as instruções, as regras muitas vezes são garantias. O anti-autoritarismo não deve ser assemelhado à abstenção desestabilizande de um ambiente que possa remeter a uma sensação de vazio.

Um educador libertário quer elaborar tal quadro, o mais possível, com os aprendizes, verdadeiramente para esses últimos. Não obstante, ele possui as competências para propor as etapas de uma aprendizagem nos dominíos onde ele possui conhecimentos para partilhar.

Seu anti-autoritarismo o conduz a se explicar, a estar à escuta dos aprendizes, a avaliar sua pedagogia através de suas reações, de pôr em consideração os comentários de seus alunos. Ele privilegia suas proposições, as mudanças a partir de uma reflexão coletiva para rever os conteúdos e as modalidades de aprendizado. Ele aceita que seu saber seja colocado em questão.

O Fuzilamento de Francisco Férrer - de Flavio Constatini


Para concluir, ser educador e libertário é se inspirar nas pedagogias praticadas pelos libertários (William Godwin, Paul Robin, Sébastien Faure, Francisco Ferrer), mas também daquela de Célestin Freinet que insistia sobre a noção de centro de interesse e sobre o trabalho cooperativo. É também possuidora de ideias na pedagogia institucional que incita os estudantes a serem atores de sua aprendizagem e lhes deixar, progressivamente, tomar para si a vida da classe.
Todas essas aproximações são pontos em comum e são influências umas das outras. Elas põem mais acento sobre a autoconstrução do indivíduo que sobre os conhecimentos enquanto eles mesmos. É porque as relações, as trocas, a curta vida de classe, da promoção ou do grupo são consideradas como eixos da educação, não negligenciáveis, e por isso, independente da idade dos alunos. Dessa forma, ser educador e libertário significar propor espaços, tempos, dispositivos para iniciar a autoformação, a responsabilização, tomada de decisão, cooperação, mutualização. Em suma, é permitir a experimentação da autogestão. Para um educador, é se posicionar como um ajudante, uma acompanhate permitivo da utilização de todos os recursos que os aprendizes dispuserem.
Ao deixar um máximo de margem de manobra aos aprendizes, nós não nos opomos apenas aos colegas de profissão, à direção de ensino. Mas sobretudo nós escolhemos o inconforto, a dúvida, a critica sobre nossas intervenções, afim de tentar nos posicionar numa caminhada libertária, no seio duma sociedade que propõe o autoritarismo e a repressão.

Agnès, grupo Louise-Michel da Federação Anarquista – FRANÇA.

1. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Les Héritiers, Édition de Minuit, 1964 ; idem, La Reproduction, Éditions de Minuit, 1970. Christian Baudelot et Roger Establet, L’École capitaliste en France, Maspéro, 1971.

[retirado do site da site da Federação Anarquista – FRANÇA. Tradução (porca? ajude-me!) por Tio TAZ]

Um comentário:

  1. Compartilho fortemente dessa concepção educacional, mas nao posso deixar de lado a dificuldade absurda existente em dois pontos: a necessidade constante do educador ser um constante crítico de sua pedagogia a fim de mantê-la libertária tal qual no sentido acima, e a complexidade de conexão entre o estudante e a pedagogia, principalmente em um mundo onde os estudantes PEDEM pra copiar textos da apostila quando o professor falta. Eu particularmente acredito numa ponte partindo da realidade do estudante, do quão impregnada e manipulada (mesmo que inconscientemente pelos seus agentes E pelo sistema gerador dessa manipulação) ela é, e isso vai contra qualquer programática escolar institucionalizada, que se pauta na necessidade não do conhecimento e construção da vida, mas do trabalho, da acumulação e da construção de uma identidade articifial chamada nação.

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