segunda-feira, 27 de junho de 2011

Uma luta velada, um grito no peito, uma angústia...



Frente de afinidade: Professor de Sociologia do Cursinho DCE da Unicamp
Duração: fevereiro/2011 a maio/2011 (sim, já foi)
Perspectivas: conscientização além vestibular através da Sociologia e do cotidiano dos estudantes
Desenvolvimento e Resultados: segue abaixo...

Um dia, um cartaz anunciando a inscrição de professores voluntários para o um cursinho pré-vestibular do pessoal da gestão Cantando por Liberdade do DCE da Unicamp (formada por um coletivo chamado Domínio Publico, claramente baseado em concepções políticas de um dos núcleos internos do PSOL, embora não declarem isso).
Teoricamente, um cursinho coletivo, com participação de professores,  coordenadores pedagógicos E estudantes. Teoricamente... Na prática, a vanguarda... Sim, nas palavras de um irmão em liberdade, a Vã-Guarda. Me disseram que isso hoje está mudando, eu espero que sim, pois sei que existem pessoas lá insatisfeitas com a forma que está. O paradoxo da necessidade de compreender como os estudantes encaram o cursinho, mas ao mesmo tempo a não convocação dos mesmos para as reuniões. A afirmação da abertura que os estudantes possuem de recorrer aos coordenadores para conversar sobre alguma angústia, mas ao mesmo tempo o distanciamento entre os coordenadores e estes mesmos estudantes.
Não, não dava para encarar apenas como um cursinho pré-vestibular. Não apenas por ser um cursinho popular, mas também pelos motivos acima. Não há explicação para uma proclamação de cursinho popular e democrático, mas que possui pretensões de selecionar apenas professores que  possuem um “engajamento político”. Que eu saiba o processo pedagógico não é só entre professor e estudante, mas também entre professores pois, afinal, é democrático. E se é assim, alguém que quer entrar no cursinho pra ganhar experiência deve ter a mesma oportunidade que alguém que possui o suposto engajamento, pois dentro do cursinho é um lugar onde se dá a dialética entre os diferentes interesses de estar ali. Realmente, talvez, como algumas pessoas da LER-QI me disseram uma vez, MEU conceito de democracia seja deturpado. Esqueci de perguntar a eles se a democracia deveria ser só para alguns então, e quais seriam eles, pois 95% da população não pensa de forma democrática ou sequer igualitária...
Só discutir nas reuniões não resolvia, principalmente, pois elas levavam horas sobre os mais variados temas. Só restava um lugar, e o mais importante: a sala de aula. A frente foi ali, semana sim semana não (as aulas eram alternadas com as de filosofia), ela se manifestava, por 45 minutos.
Para alguém que quer se contaminar com um verme temido pelos grandes (sejam eles posição ou “oposição” ao sistema), não dá para entrar numa sala e falar justamente sobre sociologia, sem falar sobre a vida das pessoas que estão ali. Seria absurdamente mais fácil dar aula se desse para fazer isso, fato, mas FELIZMENTE não dá!
Não sei dizer como foram aquelas aulas para cada um dos estudantes, principalmente pq a margem de desistência é enorme em um cursinho popular. Mas lá estava eu, tentando estabelecer pontes, mostrar que a vida deles é o maior exemplo do conteúdo da disciplina, e justamente da forma deturpada e de foco neoliberal que se apresentam os conteúdos.
Sei dizer sobre duas pessoas, que não vejo necessidade de citar nomes, pois elas sabem quem são, e sabem da importância que foi tudo aquilo. Um dia, tive que sair do cursinho. E eis o maior resultado de uma aula com uma perspectiva libertária:
Na ultima aula que eu ia dar, ia ser a abertura do tema Ideologia. Me lembrei de uma frase que conheci no Museu da Resistência em São Paulo, ouvindo os depoimentos dos presos onde era o “saudoso” DOPS. Um desses depoimentos falava de uma frase escrita em sangue na cela, que era algo assim: “Meu amor, resisti o tanto quanto pude, mas não tanto quanto você resistiu a mim”
No depoimento, a ex-prisioneira falava que haviam tomado aquilo como um poema de resistência. Escrevi essa frase na lousa e comecei falando que era minha ultima aula, e que começava com aquela frase justamente pela “história” dela, para retomar a idéia de ideologia e contra-ideologia. E terminei falando em luta, contra si mesmo, contra a ideologia, contra as influências inconscientes que nos afastam da liberdade.
Eu vi um choro, possivelmente dois, mas um era nítido. Eu senti vontade de chorar também, por  tudo. Talvez devesse ter chorado, talvez não. Acabou a aula e fui ao banheiro. Quando volto, vejo duas pessoas dos choros paradas em frente a sala. Fomos pro bar, e ali conversamos sobre tudo o que foram as aulas, sobre tudo o que pode ser lutar, sobre liberdade, sobre amor, caos,  angústia, solidão, esperança, dominação, disciplina e medo... E ali, vendo aqueles dois dizendo o que aquelas aulas foram pra eles, eu percebi que é preciso lutar, sempre, em qualquer brecha que surgir, e que em todo momento ela se faz necessária, pois a pressão, a condução de nossas vidas pelas mãos de outros, é constante, enraizada, e tem respaldo e base de atuação com formação de séculos...
Se alguém me perguntar um dia de que adiantou se só dois se sentiram assim, eu respondo com um pedido, o de perguntar a estes dois a mesma coisa que me perguntaram...

PS: E não, não são meras impressões, mas sim pautadas no que me foi dito.

Anarke Vicius

Um comentário:

  1. Relato emocionante...

    nem sempre é facil lutar contra o que está estabelecido... relatos como estes nos dão forças pra continuar...

    Amanda.

    ResponderExcluir