sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Percepções e Reflexões sobre o I Ciclo de Estudos sobre Vegetarianismo e Etica - por Tio TAZ


No dia 13 de outubro de 2011, na USP São Carlos, teve lugar o I Ciclo de Estudos sobre Vegetarianismo e Ética, realizado pelo GEEA - Grupo de Estudos de Ética Animal (geea@gmail.com). Aqui deixo algumas imagens e reflexões que tive do evento, constando que são opiniões, críticas e elogios, sendo responsável por eles.

O evento começou com a exibição do filme "Vegana". A produção do filme durou dois anos, e é uma realização do Instituto Nina Rosa. A animação tem como inspiração gráfica o famoso Persépolis. Narra a história de uma garota adolescente (Luca) que é vegana (como sua tia, que é amiga e confidente no filme) e que - sugere-se - é um ponto de pressão em sua família não-vegetariana. Aos poucos, a família começa a enxergar o ponto de vista vegano, sendo colocados diversas vezes em situações de conflito ético. O filme é composto por vários curtas - mas como um todo seria a trajetória de percepção da família para o ponto de vista vegano da filha.
Trecho de "Vegana"
Gostei muitíssimo do filme, muito bem feito, sinceramente notável pela simplicidade e beleza - além da técnica muito bem empregada. Realmente emocionante - principalmente para vegetarianxs/vegans e simpatizantes. Mas de um ponto de vista de alguém "indisposto" ao tema - e me colocando no lugar de pessoas assim - senti que a personagem Luca ( e isso foi apontado mesmo por espectadores e pelas debatedoras) tem uma posição "levemente" arrogante e que muitas vezes "estraga o rolê" da família  - como a ida ao zoológico, ao circo, ao restaurante... É claro que NADA se põe à frente de uma perspectiva ética (Luca não deixaria de cutucar se ela sente que deve), mas em termos de "propaganda" (se é que o filme serve a isso), o público é mais restrito a vegetarianxs/vegans/simpatizantes.

Um ponto que me tocou profundamente foi o tratamento dado à questão da denúncia de um carroceiro que maltratou um cavalo. Nessa parte do filme, a mãe de Luca desabafa com a filha sobre a situação que viu e sobre como se sentiu impotente. Luca liga para sua tia vegana e ela orienta a família a denunciar o carroceiro à polícia.
Aguardei a parte de perguntas e dediquei-me a essa questão. Coloquei que num
Um dos desenhos do PM Vanderlei Pereira, em exposição durante o evento
mundo onde a informação guarda papel crucial nas relações e nas transformações sociais, "denunciar" o carroceiro à polícia é justamente tomar posição de um sistema que controla a informação (o carroceiro pode ser um ignorante sobre questões de tratamento animal; o carroceiro pode nunca ter se perguntando sobre o papel fundamental do bem estar do cavalo para o seu próprio trabalho; o carroceiro não tem assistência social para substituir seu cavalo por outro meio de conseguir subsistência, etc). Já presenciei situações de maus tratos aos animais por pura ignorância dx sujeitx - nem sempre conversar com a pessoa resolve, mas eu acredito que a polícia não propõe nada sobre questões éticas, apenas pune. Infelizmente, as respostas sobre essa crítica não foram nada animadoras. Compreendo que o carroceiro esteja cometendo um crime - mas todxs nós cometemos crimes o tempo todo e muitas vezes sem saber. O sistema jurídico pressupõe que somos todxs cientes de todo o Código, quando muita vezes sequer sabemos ler. Retomo aqui uma discussão que tive com o Bruno Baader sobre vegs de boutique, que passam suas vidas defendendo animais não humanos, mas se esquecem que muitos animais humanos simplesmente não podem se defender do fomento generalizado da ignorância pelos meios detentores da informação (agregue aqui o sentido PODER). Compartilho da crítica dele no sentido de que muitxs vegs se comportam arrogantemente como privilegiados intelectuais que estão levando uma verdade universal - esquecendo que ainda ontem arrotavam carne. Muitxs outrxs não compreendem que a luta não se resume à luta pela libertação animal, mas a libertação HUMANA. Libertando humanxs não se precisa libertar animais - é consequência (na minha humilde opinião).

Essa percepção "elitista" dos posicionamentos de ALGUNS/ALGUMAS vegs está desatrelada (e muitas vezes mesmo propositadamente) de uma crítica ao sistema CAPITALISTA de produção/desperdício. É confortável se dizer vegan e sentir-se um puta ativista da causa animal... mas esquece da sua própria espécie - logo, se é especista também. Para mim, como quis deixar claro lá, denunciar o carroceiro por sua impostura com o cavalo, PARA A POLÍCIA (e não para alguma ONG ou associação que possa trabalhar com educação e assistência ao ser humano e ao animal) é apenas manutenção da exploração. Mais neoliberalismo nas veias. Tomar a frente PESSOALMENTE também é uma opção.
A discussão sobre o filme não foi longe. Provavelmente esse ponto que levantei foi o ponto mais crítico das perguntas, mas também não foi aprofundado. Certo desalento de me ver tocando num ponto chave sobre ética e não ver reações favoráveis. Talvez não "coubesse" na discussão proposta.

A tarde, tivemos a apresentação de Fábio Chaves, fundador da rede social e de
Fábio Chaves
notícias VISTA-SE (http://vista-se.com.br/redesocial/). Realmente sem grandes polêmicas, foi dinâmica e com bons detalhes e números sobre o VISTA-SE e sobre algumas relações entre os comportamentos entre vegetarianxs e vegans. Ele exibiu uma parte do filme "Terráqueos" (a que trata do massacre de golfinhos e baleias no Japão) e por todo lado escutava-se choramingos e via-se cabeças virando nos momentos mais tensos. Entendo a sensação. Já chorei muito e ainda choro pensando e vendo esse tipo de atrocidade. Ponto muito bem aproveitado por Fábio que salientou que a carne e o leite, também não estão na nossa frente sendo expropriados do ente vivo (ou já morto, no caso da carne), mas no entanto existem e sendo explorados e isso não se pode olvidar nem por um momento.

Em seguida, o palestrante Christian Saboia, coordenador da Sociedade Vegetariana Brasileira (www.svb.org.br) que tratou da inclusão dos vegetarianos na sociedade. Palestra bastante interessante, perpassando temas como inclusão no mainstream, e indiretamente, hegemonia. Não gostei muito da entonação
Durante a palestra de Saboia
mercado-lógica que o tom da palestra tomou, mas compartilho de muitas ideias dele. Principalmente sobre questões como impor respeito através da informação, e a não permissividade frente ao preconceito que podemos sofrer - e não apenas como vegetarianxs/vegans. Fato é que, por mais que se tente negar a importância do mercado na formação da cultura, não há maneiras de escapar a tal lógica. Ela nos engloba e temos que aprender a tratar com elas, sempre - e essa é minha opinião - vasculhando em busca de saídas desse sistema.

O Coffee break foi uma gratíssima surpresa, totalmente vegan, preparado pelo pessoal do GEEA - uma delícia, muitas opções e entusiasmou muitxs vegetarianxs e os poucos onívoros que lá se encontravam!

Mesa com Antunes e Vergotti
A palestra de Mayra Vergotti sobre direitos dos animais e sociedade - ativismo na minha opinião, não ficou muito clara. Não foi fundo no tema e ficou confusa. Talvez e provavelmente o problema tenha sido minha falta de atenção. Não poderia opinar muito além disso. Já a de Guilherme Antunes (direitos animais e sociedade: a legislação e as políticas públicas), que parecia bem promissora, não pode ser finalizada por falta de tempo - senti muitíssimo.


Houve um intervalo e tivemos então oficina de receitas veganas, que ficou no
Jéssica, do GEEA, preparando uma Palha Italiana Vegan
básico - ótimo, pois muitas pessoas ali não conheciam leites vegetais além do de soja, e também receitinhas como manteiga de amendoim e palha italiana vegan dão margem para ver como é fácil encontrar receitas fáceis e rápidas. Também foi um ótimo momento de integração e boas risadas!







Considerações finais

O evento em si foi fenomenal. Muito bem organizado (ainda mais por ser um primeiro evento do grupo), a organização foi atenciosa e prestativa. O número em torno de 70 participantes também foi um bom número - apesar do número baixíssimo de não-vegs.

Ficou a sensação de ser um passo a mais para ovo-lacto-vegetarianxs que ainda não tinham argumentos para questionarem a exploração animal como um todo (incluindo leite, ovos, relações de outros derivados animais...) e, para mim, a sensação de que o veganismo enquanto movimento não está sendo abordado numa relação de ética com 'E' maiúsculo - lutamos contra o especismo, mas esquecemos (muitas vezes) nossa própria espécie. Ética está na moda, principalmente quando falamos da ética dos outros - mas elaborar a própria Ética é um passo de entrega e de desafio que vai além de seguir o que está sendo proposto: é praticamente reformular o universo. Debates aprofundados sobre os campos da Moral e da Ética e suas diferenças: fica a dica para o ano que vem.

A sensação de restrição "visual" ao campo de possibilidades no capitalismo também foi forte. Não houve sequer uma manifestação que fosse além da lógica capitalista de domínio do mercado, propriedade privada, Estado de direito, leis, polícia e ordem. Mas isso se dá em quase todos os vieses sociais dos quais eu participo - faltaram libertários "assumidos" lá para "causar" essa sensação de que "hay algo aqui que va mal" - e esse algo é sistêmico. De qualquer forma, valeu a pena comparecer e divulgar.
Ano que vem, esperamos, tem mais!
Parabéns ao pessoal do GEEA, aos/as participantes e aos/as palestrantes. Força no grupo de estudos!!

3 comentários:

  1. Mesmo eu não estando lá, gostei da sua perspectiva Taz. Tenho pensado muito ultimamente sobre o veganismo; confesso que sei pouco sobre o assunto, mas fico um pouco receosa pq até que ponto não se tornou mais um rótulo? Em que algumas pessoas a utilizam sem nem ao menos saber de fato o seu significado e se tornam arrogantes? Como acontece com o vegetarianismo...claro, é um risco que se corre em todos os aspectos de nossas vidas. Mas é que não acredito que nem o vegetarianismo, nem o veganismo são estágios evolutivos da humanidade. Sou vegetariana, mas cada um sabe o que é melhor para si, não me sinto em um grau elevado. A questão é mais profunda... para mim o lance está em fazer com que as pessoas se questionem de que forma aquele animal chegou ao seu prato. De forma violenta e inserida em um sistema mercadológico por demais cruel e falido. A minha luta pelo menos é essa sabe...estimular problematizações sobre a forma como estamos comendo, andando, conversando, amando, se relacionando, enfim vivendo...

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  2. Oi Taz, sou da organização e gostei bastante do seu texto. Infelizmente não pude assistir todas as palestras com a correria então meu comentário vai ser baseado no que eu consegui ver.

    Concordo muito com seu comentário sobre o "Vegana". Essa parte me deixou bem incomodado no filme. Geralmente os filmes do Instituto Nina Rosa me deixam com uma impressão meio ruim, tirando talvez o "Não Matarás". Também acho que alguns vegs se tornam arrogantes e defendem muito os animais não-humanos e esquecem os animais humanos, enquanto a ética animal engloba as duas instâncias. Tirar o homem da ignorância e da dor também deveria ser um intuito do veganismo de forma mais ampla.

    Obrigado pelos elogios e com certeza ano que vem as coisas vão ficar mais completas e certinhas. Esse ano a gente teve dificuldades estruturais por ser o primeiro evento e pelo grupo estar em formação ainda, mas acho que estamos satisfeitos com o trabalho e parece que as pessoas gostaram. Mesmo que alguns não tenham absorvido tanta coisa durante o evento, acredito que pelo menos foram munidos de ferramentas para procurar novos caminhos.

    A gente vai continuar com certeza no ano que vem!

    Obrigado,
    Abs

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  3. [tio.taz] Oi Nívea. Pois é, como vc bem disse, o "rótulo" e o "modismo" estão cada vez mais presentes nas nossas vidas, e muitas vezes nos contentamos apenas com a nossa "auto-adjetivação". Eu já acho que tem que ir além da palavra, além do rótulo, tem que questionar mesmo. Mas hoje tem de tudo... arrogância = ignorância. Sua luta eu compartilho!

    Opa, Henrique, lembro de ti lá! Compreendo a sensação que teve com outros vídeos porque também compartilho dela. Muito material existente é mais voltado para fortalecer o desejo das pessoas em se tornar vegetarianas do que para basear ainda mais aquelxs que já são vegetarianxs/vegans. Mas é um caminho diretamente relacionado à ética: não existe prescrição para "o que se quer" no campo da ética. Só nos resta continuar assoprando o fogo para termos nossa própria luz.
    Parabéns novamente pelo trampo e mande recomendações a todxs do GEEA.

    abxxx e valeu pessoal.

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