quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Rompe a lona, beija as nuvens, tomba de nariz


Há um tempo já distante, algumas pessoas saiam dos campos em busca de melhores condições nas cidades (curiosamente isso ainda acontece com muita frequência). Uma vez nas colmeias de pedras, cimento e madeira construídas por macacos, algumas destas pessoas não conseguiam uma forma de trabalho que lhe desse condições de sobreviver. E sem dinheiro, consequentemente ficavam sem uma morada na colmeia. Nas ruas dormiam, comiam, bebiam, tentavam sobreviver de alguma forma.

Não havia papelão, não havia jornal... A cama na calçada era de palha. E após uma noite revirada entre despertar e dormir novamente, se encolher e se cobrir do vento e do frio das ruas, eis que estas pessoas estavam, no dia seguinte, com palha em suas roupas, seus cabelos. Esqueçam Patati e Patata, esqueçam Bozo e Tiririca... Estas pessoas cobertas de palha deram origem ao que conhecemos hoje como palhaços, ou pagliacci (plural de pagliaccio = "homem da palha" em italiano).

Mendigos. Uma vez nas ruas, sua sobrevivência era principalmente à partir de esmolas e da caridade de quem por ali passava. Esqueçam essas roupas coloridas, flor que solta água na lapela, cabelos verdes, amarelos ou azuis. Sabem o nariz vermelho do palhaço, aquele nariz grande e arredondado? É de tanto beber, beber e cair, sem equilíbrio, de cara no chão. Acrescente também as doenças de um morador de rua, em regiões onde o frio é mais intenso que aqui.

Bêbados e doentes. Vida nada alegre, pouco engraçada pra quem vive... Uma lágrima nos rostos pintados de hoje representa essa tristeza. Pra quem passa, vê alguém cambaleando, um desengonçado que toma uma rasteira do chão firme. E assim, alguns rostos tristes amparados por corpos dançantes passam a ver que sobreviver significa pegar a própria vida e fazer dela um estado de graça pra quem passa.

Olá palhaço, bem vindo ao mundo! E, ao mesmo tempo, bem vindo do mundo que você já cansou de encarar ao cair no chão...



Muitos se esquecem que fazer graça não é apenas ser engraçado, mas também, e principalmente, ser gracioso. Hoje tanto o termo "palhaço" quanto a expressão "fazer graça" são tidos como pejorativos, mas será mesmo? Gracioso é, antes de mais nada, aquele que toca, que mostra algo de uma forma muito diferente do que se apresenta.
Certa vez, um cara me falou que encontrou alguém que fazia de tudo para guardar o choro, seja na frente de outras pessoas, quanto sozinho. E um dia ele disse pra essa pessoa: "Sabe, você tem duas opções.. chorar ou não. Sabia que chorar faz bem ao organismo? Literalmente, juro! Dilata os vasos, diminuindo a frequencia cardíaca mas ao mesmo tempo mantendo a oxigenação do cérebro. Mas ó, chorar dá rugas. Então, o que prefere? Ter um rosto liso mas um organismo estressado, ou um corpo e mente saudáveis mas no rosto as marcas da experiência da vida? E nesse momento, essa pessoa riu, riu como criança... e depois caiu no choro... Hoje, vendo tudo isso que escrevo aqui, percebo que, nesse pequeno momento, houve um vislumbre de palhaço... Debilitado, ainda em busca de um caminho (assim como hoje), mas um palhaço...

"Quem é o palhaço? Palhaço é aquele sujeito que recusa que as coisas sejam apenas como são. Palhaço é aquele sujeito que nos mostra que nossas relações com as coisas são simplificadas, e não simples. Palhaço é o sujeito que olha o mundo com os olhos de uma criança, a sabedoria de um velho e o coração de um apaixonado, o sujeito que ama a liberdade porque só ela pode amá-lo como ele é. O palhaço é peito de aço, coração de manteiga, sua leveza de pluma nos pesa como chumbo, o sujeito que nos mostra que ser humano é uma prepotência, e que só o palhaço é potência. Palhaço é aquilo que poderíamos ser se não fossemos tão... expectadores."


Essa é uma pura demonstração nítida do lado gracioso de um palhaço. Quando ele joga a sacola de plástico pro ar, todos riem, mas ele mantém a cara de criança deslumbrada ao ver algo belo. E a cena se repete. Começa então um malabarismo, de sacolas plásticas mesmo. Embora leves, pro palhaço o esforço (visto na sua desenvoltura) é que elas não devem NUNCA cair no chão, pelo contrário, devem sempre ir pro alto.. Todas, sem exceção, inclusive a que ele pega do chão, sem deixar as outras caírem. E ao final, somente ao final, você entende o porquê daquela cara de bobo ao ver a sacolinha no ar... Enquanto pra quem via era apenas uma sacola, ele já via um pássaro, um pássaro que deveria levantar um voo que, de tão belo, faz ele ficar bobo e deslumbrado...

Minhas companheiras sacolas plásticas, na maioria das vezes querem colocar compras ou lixo dentro de nós. Mas sabemos muito bem que tipo de sacolas podemos ser...
Palhaços... e Pássaros... feitos a partir das mesmas de sacolas plásticas... Pintar o nariz de vermelho, e voar...

Dependência, comodismo e fuga... Veja só então, e não é que o lado triste do palhaço também é o de todos nós? O que nos falta então para virarmos palhaços por completo?

4 comentários:

  1. Um cara me perguntou se sua escrita estava "chata" (como ele).
    Como ele pode achar que palavras tão tocantes seriam chatas? Gabriel, parabéns pelo texto, tão tocante, parabéns pelo conteúdo, tão profundo. Parabéns pela ideia apresentada com o texto.

    E olha que sempre fui avesso a palhaços...

    Sobre a metáfora, sim, somos sacolas plásticas... Empurramos tanto lixo pra dentro, forçosamente... E o mais triste... Voluntariamente, por medo/covardia de trilharmos o caminho que ninguém caminha...

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  2. Se eu te falar que tenho fobia de palhaços, e justamente por isso comecei a ir pesquisar, vc acredita? Obrigado cara... dei uma aula sobre isso, e até agora não sei descrever o quanto significou pra mim...
    O que vc fala sobre sacolas plásticas tem um sentido absurdo, isso sem contar o fato de que somos um objeto criado pelo homem, pra atender seus interesses específicos...

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  3. Quem diria que um dia eu veria o palhaço de outra forma. Simplicidade e Profundidade, num circo só!

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  4. O palhaço está circunscrito num âmbito inapreensível do tempo: o eterno. Sua forma de ver o mundo não cogita a hipótese de morte - que é do tempo secular, normal, habitual... por isso ele pode simplesmente Ser. Não há limite para a experiência para ele - já para nós, o limite é o conforto, o bem estar, e em último caso, o medo da morte.

    medo & preguiça... características humanas universais...

    Ah... se nós transpirássemos tintas... se deixássemos as lágrimas rolarem ao invés de afiá-las eternarmente nas limas das pálpebras... flores são corações, sacolas são crianças, um blog é uma vila, minhas roupas um personagem e eu... eu desisto!

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