sábado, 7 de janeiro de 2012

O Apartheid Tupiniquim

Não existe nenhuma dúvida de que o tratamento dado ao viciado de droga, em especial do crack, no Brasil está longe de ser o que se devia. O problema da dependência não deve ser visto como uma questão criminal e, sim, de saúde.
Este problema de saúde se dá por "n" questões que ainda são investigadas pelos diversos ramos da ciência, mas é sabido que a questão social contribui em muito para o vício, principalmente em drogas pesadas. Na região de Ribeirão Preto, por exemplo, onde, anualmente, dezenas de cortadores de cana morrem por exaustão, o uso do crack é bastante comum. Nas metrópoles, o abandono do indivíduo, as dificuldades econômicas, agravadas pela desestruturação da família (e nem falo aqui da família nuclear, paternalista) e a exclusão, em seu sentido mais amplo, têm sido fortes fatores que, se não levam, recrudescem o problema do vício. O crack é a droga mais barata e com efeitos mais fortes. Portanto, ele passa a ser o grande vilão da história.
Na cidade de São Paulo, o problema sempre esteve concentrado em uma região: a cracolândia. Todos sempre souberam o que se passava ali, ninguém nunca se incomodou! Nunca houve uma política de assistência que pudesse ser levada a sério e considerada como uma política de assistência de fato.
Em 2005, lança-se um programa chamado "Nova Luz". Por este programa, foram fechados alguns hotéis, bares e estacionamentos cujos proprietários mantinham algum tipo de relação com o tráfico. Além disso, a prefeitura concedeu incentivos fiscais (em relação à cobrança do IPTU) aos proprietários que efetuassem reformas nas fachadas de seus prédios. Como a própria situação sugere, o que se fez foi de fachada...
Agora, na última semana, a Polícia Militar, preparando o terreno para os possíveis turistas de 2014, decidiu intervir. A estratégia da polícia, nesse e em todos os outros casos em que ela age, é cuidar do viciado pelo método da dor e sofrimento (leia sobre AQUI). É recuperar o viciado, mostrando que a droga o causa dor, assim como calavam dissidentes pela tortura durante o regime militar (que para muitos não acabou). Essa é a lógica da polícia: a dor e o sofrimento purificam a alma!
Evidentemente que, se o problema não é policial e não é a uma ou outra cacetada que cura viciado, a tática da polícia não resolveu muito. Sim, a cracolândia foi esvaziada, mas os viciados continuam viciados, continuam excluídos e sem assistência. Como sua vida não mudou, eles somente migraram, passaram a perambular pelas ruas de São Paulo e isso tem incomodado muita gente.
Dentre os lugares pelos quais passam o roteiro dos dependentes inclui a região de Higienópolis. Os moradores de Higienópolis já foram centro de uma polêmica envolvendo a construção do metrô (relembre, clicando AQUI) e é claro que moradores de um bairro nobre e tão tradicional como Higienópolis não costumam ser contrariados. Acontece que os moradores de Higienópolis não queriam tal construção para evitar a presença de pessoas "diferenciadas" (leia-se pobres) no bairro (a autora da frase nega tudo AQUI).
Mas os pobres, principalmente os não adequados, cujas barreiras ideológicas foram enfraquecidas pelo isolamento social causado pelos efeitos do crack, não conseguem compreender que não são bem vindos. Assim, os moradores de Higienópolis começam a se mobilizar contra a Polícia Militar com o intuito de protegerem a tradição de seu bairro (mais informações, aqui e ali) e a mídia, como vimos nos links, expressa sua preocupação.
O fato é que, se não retiram o lixo da porta da sua casa, você chama o lixeiro. Se o lixo ainda respira, polícia nele! E é assim que o Apertheid brasileiro se faz: às avessas, ou seja, não isola-se o indesejado. No lugar disso, criam-se áreas de intocabilidade, à qual ninguém tem muito acesso se não for para limpar privadas, transformam bairros em condomínios fechados, regiões em feudos e o ser humano em descartável. No fundo, não é importante se determinada pessoa precisa de assistência, o importante de se assistir... é só mesmo o BBB.

2 comentários:

  1. Texto muito bom, questão levantada muito importante.

    Uma vez, você mesmo me disse que o que importa, no fim das contas, é "que esteja fora do campo de visão".

    Todo lixo é acumulado fora do campo de visão...
    O lixeiro vem e leva, não importa pra onde, desde que não esteja na nossa frente...
    Enquanto não está ao alcance das vistas, ninguém se importa com a quantidade que produz de lixo...

    Este post não tinha nenhum comentário pela mesma lógica: Ele incomoda

    É melhor ignorá-lo, fingir que não vimos...
    E segue, sem comentários...

    Ensaiei diversas vezes escrever aqui... A repulsa venceu em todas as tentativas anteriores...

    Mas, estes somos nós... Se incomoda, fingimos que não existe, se é visível, chamamos o lixeiro, ou a polícia... E problema resolvido...
    A cabeça fica leve no travesseiro.

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  2. Eu não tinha pensado por esse lado, mas confesso que eu já evitei algum tema por ele me causar um incômodo muito grande. É ruim para o ego, denuncia nossa impotência!

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