sexta-feira, 20 de maio de 2011

O blog livros de Humanas fora do ar.

O blog Livros de Humanas fora do ar


Muitas pessoas, é claro, adoravam a página. Entre elas, no entanto, não estavam os editores dos livros reunidos ali. A biblioteca do Livros de Humanas era toda formada sem qualquer autorização.

- É óbvio que o blog desrespeita a legislação vigente - diz o criador da página, que mantém anonimato, numa entrevista por e-mail. - Mas não porque somos bandidos, mas porque a legislação é um entrave para o desenvolvimento do pensamento e da cultura no país.
O mesmo argumento foi defendido nos últimos dias no Twitter por intelectuais como o crítico literário Idelber Avelar, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, a escritora Verônica Stigger e o poeta Eduardo Sterzi. Do outro lado da discussão, críticas à pirataria. A Editora Sulina, que vinha pedindo a remoção da página, falou em "apropriação indevida" e o escritor Juremir Machado escreveu: "Quem chama pirataria de universalização da cultura é babaca q ñ vende livro, mas quer q alguém pague a conta. Livro tem de ser barato e pago".
O caso chama atenção para a ampliação da circulação de arquivos digitais de livros na internet, uma prática que dá novo sentido e escala à discussão sobre a circulação de cópias xerocadas no meio acadêmico.
Leia abaixo entrevista feita por email com o criador do Livros de Humanas.
Por que você criou o blog e como ele funcionava?
O blog nasceu no começo de 2009 (e saiu do ar na sexta-feira passada) para ser uma alternativa dos estudantes de letras da USP à copiadora que existe no prédio do curso e que tinha aumentado arbitrariamente em 50% (de 10 pra 15 centavos) o valor da cópia (o contrato de cessão de espaço com o Centro Acadêmico estabelece que a decisão deve ser conjunta). No começo havia a ideia de colocar apenas os textos das disciplinas de cada semestre. Esta iniciativa surgiu sem vínculo algum com o CA, que nunca se manifestou sobre o blog. No começo recebi de alguns colegas os programas das disciplinas e procurava na net se já existia cópia digital dos livros no 4shared ou similares. Se eu não encontrava, mas tinha o texto, escaneava. Por isso, no começo o blog era mais próximo dos meus interesses acadêmicos (mais crítica literária do que linguística, p. ex.) Também recebia textos de outros colegas e assim criamos o blog. No primeiro mês tínhamos menos de cem textos. Com o crescimento deste número e das visitas o blog deixou de ser apenas algo relacionado ao curso de Letras da USP (apesar de ter mantido o nome por mais um ano) e se tornou um depositário de textos da área de humanidades. O blogue saiu do ar com exatos 2.496 arquivos – não necessariamente livros, porque colocávamos também capítulos de livros, alguns de livros que surgiram inteiros no blogue tempos depois.
Com isso meu critério passou a ser o seguinte: se alguém enviava o arquivo eu publicava, independente do ano de publicação e seu estado no mercado (se era lançamento ou texto fora de catálogo). Porém eu só escaneio obra esgotada e que seja difícil de encontrar.
O perfil de seleção era bem básico: textos da área de humanidades ou correlatos. Tínhamos de obras do Will Eisner a livros sobre lógica. De autores brasileiros contemporâneos a material de ensino de língua estrangeira. De Sociologia a Ecologia. Majoritariamente entravam livros em português, mas tínhamos muitas obras em espanhol, inglês, italiano, alemão e francês.
Quantos usuários o blog tinha e qual o perfil deles?
No começo o público era quase que inteiramente uspiano. Nos últimos tempos era majoritariamente universitário, com visitas de todas as partes do globo. De estudantes de Nova Orleans ('terra' de um grande entusiasta do blogue, o professor Idelber Avelar) a visitantes dos PALOP (Países Africanos de Língua Portuguesa). Pelos e-mails de pedidos que eu recebia dava para traçar um perfil mínimo: são estudantes de universidades brasileiras com péssimas bibliotecas. É comum eu receber pedidos do tipo "preciso do livro tal para minha iniciação científica mas não o temos aqui e vi no dedalus (sistema de consulta da USP) que a biblioteca da FFLCH tem". Não consigo – pelos dados informados pelo Wordpress – determinar quantos visitantes únicos o blog recebia diariamente. Nos últimos meses a média de pageviews/dia passava de 10 mil. Em um ano no Wordpress (antes o blogue estava abrigado no blogspot) passamos dos 1,8 milhões de pageviwes, uma média de quase 5 mil/dia.
Antes desse episódio recente você já havia tido algum outro problema?
Sim. Desde o começo links são retirados do ar. E logo depois, claro, eu colocava de volta. Ficamos - eu e ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) - neste gato e rato até o fim. Quando o blog ainda estava no Blogspot recebi do Google um aviso sobre infração às leis americanas de Direito Autoral. Daí mudei pro Wordpress que é (ou achei que era) mais flexível. Algumas editoras me davam mais trabalho, como a Jorge Zahar e os livros do Zygmunt Bauman ("capitalismo parasitário" era o que tinha mais links retirados) mas nunca passou disso. Denúncia para os sites de hospedagem dos textos e livros. E é preciso dizer, apesar de óbvio, que não fui o responsável pela primeira disponibilização de quase todo o conteúdo do blogue. Mais procurei, editei e organizei num único centro os textos do que outra coisa.
Por que o blog saiu do ar?
Fora os e-mails da ABDR, nunca recebi nada de mais substancial. Nos últimos dias a Editora Sulina (inexpressiva, de quase 3 mil livros que tenho em casa apenas 3 são editados por ela) – seja por seu perfil ou de seu editor no Twitter – reclamou muito do blog e disse que tomaria medidas contra. E dias depois, sem aviso prévio, o Wordpress retirou o blog do ar. E, se não me engano, temos 3, no máximo 5 livros dela. Honestamente, não sei apontar (até porque alguns – como os livros do Maffesoli, hoje editado pela Sulina – são de edições anteriores, como as da Brasiliense) quais são os livros reclamados. Editoras como a Companhia das Letras, que tem cópias de milhares de livros rodando na internet, nunca se manifestaram.
Algumas pessoas defenderam o blog dizendo que ele era como uma biblioteca pública. Concorda com a comparação?
Acredito que a comparação é ruim – posto que o blog é apenas um paliativo que nasceu das péssimas condições das bibliotecas públicas do país – porém não de todo despropositada. O blog era gratuito (tempos atrás fizemos um rateio com doações diversas para a compra de um hd para becape dos arquivos) e acessível para todos. Como uma biblioteca.
E o que você acha da crítica de que o blog desrespeita a legislação vigente? 
Bem, é óbvio que o blog desrespeita a legislação vigente. Mas não porque somos bandidos, mas porque a legislação é um entrave para o desenvolvimento do pensamento e da cultura no país. O blog é tão ilegal quanto a cópia xerox nas universidades os sebos de livros antigos. E sem sebo e xerox uma universidade não funciona. Das bibliotecas universitárias a Florestan Fernandes (biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) deve ser uma das 3 ou 4 mais completas do país. E mesmo contando com determinada obra, o número de volumes é insuficiente.
Um exemplo prático: O livro "O demônio da teoria" ficou por anos esgotado (foi reeditado no ano passado – e eu comprei o meu exemplar!) e possuía 3 exemplares na Florestan. Emprestei o livro, escaneei e hoje milhares de outros estudantes tiveram acesso a um texto fundamental para o estudo da teoria literária. A revisão da lei é uma necessidade de nossos tempos. Acreditava muito em avanços durante a gestão Gil/Juca no MEC. Mas o retrocesso defendido por este ministério novo é assustador.
Sem uma revisão da Lei de Direito Autoral que tente equilibrar estas duas demandas teremos mais problemas como este. As editoras de livros preferem seguir o estúpido caminho das gravadoras. E, se não acordarem logo, terão o mesmo destino.
Como possível futuro autor de obras acadêmicas, você consideraria normal que seus livros fossem distribuídos de graça?
Claro! Ainda mais se eu estiver vinculado a alguma universidade pública. A questão não deve ser essa. É óbvio que o autor deve ter remuneração por sua produção. Mas não podemos aceitar como normal que o critério para acesso a um texto (que é produto de sua época e dialoga com toda uma tradição intelectual – seja de domínio público ou não) seja o econômico. Um estudante sem dinheiro para pagar R$ 100 numa obra deve ser desprezado? Acredito que o direito ao acesso e a difusão do conhecimento se sobreponha ao do autor de receber dinheiro por sua obra.
Outro exemplo prático: quando ingressamos na Letras-USP usamos em elementos de linguística o livro "Introdução à linguística" (volumes I e II) editado pela Contexto. O livro é organizado por um professor da USP e os autores dos capítulos são também professores da casa, todos contratados em regime de dedicação exclusiva, além de contar com verba da órgãos públicos (Capes, CNPq, fapesp) de fomento. É justo que este profissional exija de 850 ingressantes (isso só na USP, o livro é usado em outras Instituições de Ensino Superior também) a compra dos dois volumes? E, principalmente, quem recebe este dinheiro? Porque os autores (são mais de dez por livro) recebem centavos de cada edição vendida por quase R$ 40 nas livrarias. Outra situação comum (desculpe se me concentro muito na USP, mas é de onde sou e de onde vejo tudo): livro escrito por pesquisador da USP, editado pela EDUSP ou pela Humanitas (editora da FFLCH) e sem exemplar nas bibliotecas da USP. Se não há cópia nas bibliotecas, por qual motivo não devemos copiá-los?
Por último, duas considerações. A primeira pessoal: Sem a contribuição de centenas de outras pessoas – sejam estudantes universitários ou não – o blog jamais existiria. Sou apenas quem procura na net, organiza os arquivos e escaneia dois ou três livros por mês. E, ao contrário do que acreditam editores como este da Sulina, sou do tipo que não possui e-reader, só usa xerox quando não tem jeito e ainda gasta meio salário mínimo por mês em livros físicos. O livro pirata não tira público do livro "oficial". Não acho que a cópia pirata seja a responsável pelo número cada vez menor nas tiragens das editoras. Acredito no que disse o Gaiman quando veio pra Flip: "O inimigo não é a ideia de que as pessoas estão lendo livros de graça ou lendo na internet de graça. Da minha perspectiva o inimigo é as pessoas não lerem."
A outra é de apoio político. Desde intelectuais do porte de Eduardo Viveiros de Castro e Idelber Avelar a novos pensadores e escritores como Eduardo Sterzi, Veronica Stigger e outros tantos (muitos deles seguidores do perfil do blog no Twitter) apoiam o blog. Todos os que citei aqui possuem obras no blog e deixaram de ganhar (segundo o cego argumento de alguns editores do país) algumas dezenas, talvez centenas, de reais. E não ficam bravos com isto. Pelo contrário, como certa vez tuitou o professor Avelar: "Piratearam meu 1º livro! Tá na net pra baixar. E eu, como autor, gosto disso: http://bit.ly/ikvMaR#PegaECAD"

2 comentários:

  1. "É óbvio que o blog desrespeita a legislação vigente - diz o criador da página, que mantém anonimato, numa entrevista por e-mail. - Mas não porque somos bandidos, mas porque a legislação é um entrave para o desenvolvimento do pensamento e da cultura no país."

    chorei de rir, uhauhahuauhauha mandou mto bem...

    e outra que eu curti muito bem foi um comentário que estava no site, de quem eu nao me lembro o nome do autor, mas que falava "é claro que eu nao concordo com a pirataria: não acho certo que se invadam e roubem navios".

    outro comentou, de forma menos inteligente e mais séria: quero ver pessoal fazer livro de graça, espontaneamente... buen, o que dizer... creio que os intelectuais sejam um dos poucos que acabam produzindo mais pelo prazer de discutir algo do que pela simples gana financeira.. mesmo pq quem ganha mesmo com os livros vendidos são as editoras (e Editores!) e não os autores - a nao ser que vc seja um Paulo Coelho (opa! esqueci que ele mesmo colocou seu livro na internet e, graças a isso, se tornou um dos mais lidos - e vendidos [há!] do mundo)...

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  2. "É óbvio que o blog desrespeita a legislação vigente - diz o criador da página, que mantém anonimato, numa entrevista por e-mail. - Mas não porque somos bandidos, mas porque a legislação é um entrave para o desenvolvimento do pensamento e da cultura no país." esse trecho é realmente dimais! qnd vao entender que cultura nao se vende? ou melhor, a quem é interessante a ignorancia do povo?

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