sábado, 28 de maio de 2011

telefornica e eu - tudo (mas nada mesmo) a ver!



Câmera flagra o terceiro da telefônica, José María Álvarez-Pallete, jogando videogame em seu Ipad durante uma conferencia onde se divulgava que, nos próximos 5 anos, 8.500 funcionários serão demitidos.

Daí você senta e se pergunta: para quê eu vou trabalhar para um filha-da-puta feito esse? Numa megaempresa que só pensa em fuder com os/as funcionári@s e com os/as clientes (fuder no péssimo sentido)? Mas aí você pensa: bom, a empresa precisa controlar seus gastos... e se tiver que dispensar funcionári@s, pois bem, é uma questão de sobrevivência! Venho eu, filh@d@put@, e te dou a notícia de que a telefonica teve aumento de mais de 30% do LUCRO LIQUIDO em 2010. Ai você fala que eu só posso estar falando isso como um/a pesquisador@ que, desde sua poltrona, fala bosta pro Brasil e pro mundo, utilizando-se de uma magnífica ferramenta interativa que é o blog.

daí eu sou obrigad@ a te levar nos recantos mais fétidos de minha memória e dizer que sim, já trabalhei na telefornica, e na sua empresa-braço mais sórdida, a desAtento - sobrevivi e vou contar uma parte dessa tragicomédia:

A desAtento é a empresa que faz a (sadomaso) mediação entre clientes e telefonica. Eu, ainda juvenil, precisando de emprego para pagar um cursinho, fiquei sabendo que a atento contratava muitos jovens para "atendente de 103" - um nome - bem safadinho - que esconde muita coisa.

Fiz treinamento, entrei no call center (ou site, como costuma-se chamar) apoderei-me dos programas como o Vantive, e outros, aprendi a vender produtos através da tecnica do crosseling, ou seja, venda cruzada; aprendi a vender bastante para beneficiar a equipe... mas aprendi a ouvir bucha, pelo telefone e ao vivo - o que se constituiu a magna rotina.

Maass voce pode subir na vida dentro da desAtento! "como?" perguntam-me... ora, praticando o sacerdócio de ser um bom ou boa VENDEDOR@! Claro! na medida em que você melhora suas vendas, você vai recebendo cada vez mais ligações daqueles que procuram comprar alguma coisa (sabe quando a secretária da telefonica te diz "voce quer reclamar, aperte 2 - quer comprar, aperte 3"? então, aperte 3 e vá direto para a ala mais rápida dos mais espertos! *** afinal, qual é a fila menor, a dos que reclamam ou a dos que compram identificador de chamadas?). Então, aos poucos, fui vendendo. ligavam reclamando? eu resolvia o problema e ofertava um produto. Ah, a senhora nao quer, ok! tenha um bom dia - e esperava seu desligamento, com a sensação de mais um problema resolvido.

Mas aí vem o cronometro... sim, temos cronometro para atender uma chamada. Nossa média na época deveria ser 3 minutos e alguma coisa. então tínhamos três minutos para identificar o cliente, ouvir seu problema, achar a solução, encontrar o melhor produto a ser vendido para o perfil do cliente, ofertar, e aguardar para ver se ele caía em nossa lábia ou não. No começo, mantive boa média de tempo porque eu resolvia o problema rápido e nao demorava ofertando.

Não pensem que eu era um/uma sant@. Na verdade, a maioria das pessoas que estão lá na desAtento não querem prejudicar o cliente. Elas não querem ter que empurrar um produto que sabem que pode acabar prejudicando o cliente. Muitos lá realmente se esforçam em resolver o problema do cliente, mas quando dizem que A CULPA É DO SISTEMA (parafraseando Plinio Marcos), é mesmo! na minha época, o sistema chamava-se Vantive, uma porcaria tecnológica estilo DOS; hoje eu sei que é outro sistema porque já estava em transição, mas garanto que se antes o DOS era uma porcaria, imagine como deve ser trabalhar com a tela azul de exceção fatal do windows: é a evolução do vantive e o problema só piora. Sistema fodido patrocinado pela telefornica, uma das maiores empresas em tecnologia das telecomunicações... tsc tsc tsc.

A maior parte dos/das funcionári@s está alí para ganhar seu dinheirinho mensal, e ir pra casa - mesmo que sob a mais fodida estafa. Mas aí têm vários truques: pagam hora extra dobrada (quando precisam de mais funcionári@s), mas também proíbem você de fazer hora extra quando eles não querem; pagam comissão pelas vendas (senão, quem ia querer vender?) - mas só se voce bater a meta! (quantas vezes fiquei sem comissão por nao ter alcançado POR UM, mesmo tendo vendido 19 serviços iguais!!!); separam funcionári@s em setores (pasme!) de "qualidade" e de "vendas"; fazem pressão para que você oferte mais serviços quanto possível, não se preocupando com o estado emocional do cliente (aqui cabe um detalhe: quem ligava no meu setor geralmente era pra reclamar - por coincidência era o setor de maior número de funcionários - e a gente tinha que resolver o problema - ou contorná-lo - e ainda OFERTAR!! cacete!!); obrigação de ofertar em toda ligação possível, com risco de tomar uma advertência, fora a obrigação de atingir as metas sob o risco informal de se perder o emprego... mesmo que não estivesse no contrato de ninguém a cláusula da obrigação das vendas... um amigo me disse na época que era ilegal fazer crosseling, mas eu até hoje tenho minhas dúvidas.

De qualquer forma, um dia eu passei na faculdade e meu desejo maior era sair daquele mundo horrivel de competição pra ver quem vendia mais, quem tinha o menor Tempo Médio de Operação, pra ver quem conseguia mais elogios, etc. Cansei de ser obrigado a continuar a forçar a venda depois que o cliente fala "não, eu vou pensar, depois eu ligo", cansei de esconder que tínhamos aparelhos de detecção de número de graça - só para quando o cliente realmente não quisesse comprar só a habilitação do serviço... enfim, meu desejo começou a ser ir pra outra cidade e viver outra vida, então eu já nao rendia. Um dia antes de ser mandado embora, meu supervisor me chama na mesa, me entrega meu holerite e diz algo assim: olha, que que tá acontecendo (nervoso)?? olha, ce não tá rendendo como antes! olha isso aqui (aqui ele abre uma planilha no PC onde constam minhas vendas, operações tudo que eu fiz na atento desde minha entrada e aponta alguns dados da minha decadência de produtividade), em tal mês você vendeu tanto e ganhou tanto de comissão... olha, nao te ajudou muito!? e nesse mês que vc vendeu ainda mais, não foi bom pra você, heim? nao te ajudou ganhar esse dinheiro...
Ele tinha razões para ficar puto: se a equipe dele não continuasse mantendo o ritmo de crescimento de vendas, ele nao seria supervisor de uma equipe de vendas - que ganha mais ainda por cada venda que suas ovelhas fazem...

Ele seguiu apontando dados na lista... mas numa coluna ao lado tinham uns outros numeros, exorbitantes, que eu nao tinha recebido; perguntei entao o que era os 27.800 que estavam do lado do meu salário num dos melhores meses, que foi de 1000 reais, e ele disse, sem perceber a gravidade do que estava dizendo: isso aqui é o que atento recebeu da telefonica pela suas operações nesse mes.

A partir dalí eu já não ouvia mais nada que ele tava falando. Só fiquei pensando "Caraca, eu ralei muito pra conseguir 1000 reais, sendo que eram mais ou menos 600 de comissao, ralei muito mesmo. E a desatento ganhou 26 mil em cima disso?". aquilo abalou profundamente meu mundo. Quando me diziam que o patrão ganhava muito mais que o funcionário eu pensava "bom, mas ele tem que partilhar com os outros supervisores, ele tem que gastar em manutenção do espaço, tem problemas, multas, etc"... mas quando eu vi esse número, e multipliquei pelos quatro sites da atento espalhados por SP, cada um com quase dois mil funcionários, quando pensei na condição psicológica que a gente fica ao trabalhar lá, quando pensei nos clientes que estavam sendo constantemente derrubados por operadores que - nao por mesquinharia - simplesmente nao achavam proveitoso atender um cliente puto por uma merreca e ainda tomar um esporro por ter passado do tempo de atendimento, quando pensei naquele sindicato pelego... alí eu senti que tava tudo errado, e que eu só queria ir pra casa.

No dia seguinte, a demissão. Estava exultante! No dia seguinte mudei pra outra cidade, e vivi inquiet@ para sempre!

Há uma circulação enorme de jovens dentro da desatento, que são admitid@s e demitid@s a rodo... lembro da felicidade que senti ao estar sendo empregad@ e da felicidade que senti ao ser demitid@. Foram meses e mais meses de evolução, pois fui percebendo quanta malícia há nas relações entre patrões e empregados... supervisor que te cumprimenta quando você vende bem, mas que te vexa na frente de todo mundo se vc nao está vendendo bem; também há muita malícia entre os/as funcionári@s, que nao se sentem acanhad@s em prejudicar o/a colega ou o/a cliente - o objetivo maior é vender. Tem gente que nem come pra poder ficar mais tempo tentando vender.

Enfim, depois dessa curta - porém longa - viagem às imundices dessa memória de que não me orgulho muito, volto ao vídeo que motiva esse post. Penso em quantos/as executiv@s não fazem exatamente o mesmo que José María Álvarez-Pallete ao demitirem uma enormidade de jovens de ambos os sexos, pais e mães de família, todo o tipo de gente que vai, agora, se assomar aos milhões de desempregad@s pelo mundo a se humilharem por mais um emprego que vai lhes pagar tampouca merda ou menos (culpa da inflação, tá?!). Quantos/as executiv@s não são absolutamente insensíveis aos problemas do mundo, da sociedade, das pessoas que contratam... não, eles não estão errados. Eles vivem numa sociedade que prega isso o tempo todo, fazem parte dela e são a manutenção dela. E você e eu? não somos também parte disso? o que vamos fazer para evitar a manutenção disso?

De repente você alí sentad@, estaria jogando outro jogo que não "marcianitos" - mas também estaria jogando. Prove para si mesmo que não!

Para mim, o problema não é exatamente o cara, eu, o supervisor filhadaputa, o cliente neurótico, ou você. O problema é que essas pessoas não tem interesse em mudar essa realidade e, se tem, será que estão fazendo alguma coisa?

Contenção de despesas, né? tá, conta outra. Contenção de ética!

7 comentários:

  1. Eu sempre me pergunto a mesma coisa, será que as pessoas se importam com isso? Será que as pessoas têm interesse em saber sobre essas coisas? Será que só de ver o tamanho do texto não sentem preguiça e se acomodam na frente das fotos das baladas do final de semana dos amigos do facebook? Mas o que mais me questiono é: O QUE NÓS PODEMOS FAZER EM RELAÇÃO A TODOS ESSES PROBLEMAS QUE DIARIAMENTE TEMOS NOTÍCIA E OCORRE TÃO POUCA MOBILIZAÇÃO?

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  2. Bom, quanto aos textos longos, é compreensível, afinal, estamos acostumados à imagética televisiva. Quando vem um longo texto (e ah! sem figuras!?) a gente fica meio assim de encarar. Quando é um colega do trabalho que eu sei que só entra no facebook, eu até compreendo que ele nao leia o KRISIS quando está na internet. O que eu não compreendo é como gente supostamente krítica como muitos que supostamente estão fazendo o krisis também tenham preguiça de ler, de fazer um comentário ou de simplesmente apertar um botão de reação. Mas é assim mesmo, as mentes humanas formam meandros muito além de minha vã filosofia.

    Quanto ao que podemos fazer, o primeiro passo eu acho que é tomar posição. tomar posição MESMO, em nossas vidas. Se acho algo injusto, eu vou me posicionar veementemente contra aquilo, eu vou agir contra aquilo a partir de mim mesmo. Quando encontro outras pessoas que tambem tomaram posição, levantaram suas bandeiras e que se indignam MUITO MAIS QUE CINCO MINUTOS, a gente pensa em algumaa coisa, mas juntos.

    Abxxx e valeu pela leitura & comentário!

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  3. O problema é que as pessoas se acomodam...é mais fácil colocar a culpa no sistema, afinal "ninguém consegue mudar o mundo", certo?!

    ERRADO!

    Fazemos parte desse sistema e constantemente agimos-reagimos sobre ele. Mesmo que você queira viver isoladamente em uma ilha do pacífico, uma hora ou outra ele te atingirá...não há como escapar.

    O sistema, portanto, somos nós! E se nós estamos nos modificando diariamente, porque ficar se eximindo da culpa? Podemos sim criar novas formas de se viver.

    O que para muitos isso é utopia, para mim é o combustível de revoluções individuais...

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  4. Acho extremamente válido quando se fala em revolução individual e quando à uma ação nesse sentido. Afinal não é sempre que conseguimos encontrar forças no outro pra continuar nosso pensamento/luta. Mas que tbm é fato que muitas vezes desanina pois parece que vc tá na contramão sozinho. E é aí que essa grande onda nos atinge e tudo parece mesmo uma utopia apenas...

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  5. Concordo plenamente, Barata, mas, observe justamente isso que estamos fazendo. Estar comentando um texto que nos interessa de alguma forma, estar discutindo-o, é gerar cultura, e além disso, é reconhecer que existem outros que também estão desconfortáveis com a situação. eu me sindo muitas vezes só, porque nao vejo as outras pessoas fazendo coisas o tempo todo. Mas as vezes, quando aperto um pouco os olhos, eu enxergo muita gente fazendo coisas o tempo todo, revolucionando suas próprias vidas, uns (acho) lentamente, outros (como eu, tentando). desesperadamente. Passei a entender isso de outra forma: as coisas estão acontecendo, mas o que está faltando é comunicação, exposição, ou como eu sempre digo: asteamento de bandeiras. Assim reconhecemos uns aos outros e extraímos força das coisas mais simples, como comentários em um texto perdido em um blog... A simples noção de que vcs leram esse texto me dá força e gana de escrever outros, e assim espero que aconteça com cada um/a de nós!

    abxxx!
    tio taz

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  6. Volto a martelar a falta de HUMANIDADE do sistema. Somos constantemente tratados como máquinas. Máquina de estudar, máquina de produzir dinheiro, máquina de dizer "obrigado", "volte sempre", "mais alguma coisa?". Máquina de lidar com pessoas. As atitudes são programadas, as palavras são programadas, os joguinhos, como se todos fôssemos iguais. Ninguém se importa com a sua história de vida, com a sua depressão ou a sua síndrome do Pânico. Ninguém se importa se vc passa fome ou se vc já não aguenta mais, se vc está enlouquecendo ou já é louco. COMPRE e PRODUZA, é o que eles querem.

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  7. e eu fico feliz que esteja martelando o que quer que seja, porque é pra isso que esse blog existe, que esse coletivo existe, que essa rede de amigos existe, é pra martelar, bater na mesma tecla, chacoalhar, fazer lembrar, discutir, dar e receber tapa na cara, reclamar coerência e também aguentar o tranco de volta!
    o sistema capitalista VIVE da desigualdade... e ainda tem gente que acha bom. provavelmente está numa situação boa, pq não é possível estar na merda, saber porque está, ver possibilidade de sair, e querer continuar nela.... ou tem?

    fui ingênuo agora?

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